quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A menina do cabelo azul [27] - Doce timidez

- Pietra, é você?
Era quinta-feira, Pietra tinha ido para a escola tão desarrumada que Manu mal a reconheceu de costas. Estava com um rabo de cavalo bagunçado, a blusa amassada e uma calça jeans velha. Sua mochila tinha um rasgo que parecia não lhe incomodar em absolutamente nada.
- Sim. – Ela virou com um semblante estranho.
- O que houve criatura?!
- Estou cansada, só vim por causa da revisão para a prova. – Reclamou.

As duas andaram quietas por uns instantes, entrando na escola. Manu mordia os lábios, cheia de perguntas em mente, mas Pietra é do tipo de pessoa que quando esta triste só quer ficar quieta e sozinha. Manu tinha uma tremenda dificuldade com isso, ela queria conversar e resolver logo, não gostava de adiar a solução. “Cada um tem seu tempo Manuela! Até mesmo para conversar!”, pensou pausadamente.
Pietra, que conhecia bem Manu e sua luta interior, deu uma breve oportunidade à amiga:
- Vai, fala.
Manu suspirou aliviada e disse:
- Não entendo porque você esta sofrendo tanto se queria terminar... – Desabafou.
- A questão não é essa. – Pietra deu os ombros.
- Qual é então?
- É que não gosto de ficar mal com ninguém, esse clima estranho que esta entre eu e Carlos me incomoda muito. Você me conhece, sabe que gosto de estar bem com todos e não estar assim esta me sufocando. É com se tivesse algo a ser resolvido, algo errado e isso não sai da minha cabeça. É difícil tocar a vida normalmente com essa sensação que estou devendo, sei lá. – Sua testa franziu, mostrando preocupação.
- Hum... A velha “necessidade de agradar os outros”.
- O quê?
- Amiga, você esta colocando muita expectativa, valorizando demais o que pensam de você. É claro que é bom agradar aos outros, mas isso tem limite. Guarde o que vou te falar: isso tem que ser uma conveniência, não uma necessidade. Se ser da forma que você quer agrada, ótimo, mas senão, lamento. Seu bem estar, sua autoestima não pode depender dos outros, porque senão, estamos ferrados! Você é inteligente, Pietra, entende o quanto depender emocionalmente dos outros é nocivo?
- Ui, nocivo! Falando difícil... – Pietra não resistiu, riu timidamente. – Entendo, você tem toda razão. – Admitiu, ainda refletindo.
- Você fez o que pôde para ficar bem, mas se ele não quer, problema dele. A Bíblia fala “se possível, tenha paz com todos”, traduzindo de outra forma, podemos até dizer “Se você tentou ter paz com todos, mas não deu, relaxa cabeção!”.
- E essa tradução da Bíblia, encontramos onde? – Pietra foi se descontraindo.
- Manuzinha, revista e corrigida. Sensacional querida, recomendo.
- Obrigada amiga. – Pietra sorriu e abraçou Manu. Ela ainda estava anestesiada da confusão de emoções que sentiu nos últimos dias, mas não estava mais tão triste.
Manu percebeu que já tinha falado o suficiente e mudou de assunto de forma natural. Elas foram para a sala e quando Pietra chegou à sua carteira viu um bombom de Nutella em cima. “Só pode ser coisa do Carlinhos...”, ela sorriu. Foi para a porta para vê-lo, mas ele não estava ali, estudava em outra sala.
Manu olhou a cena e se sentiu ficando em segundo plano, mas isso não a chateou, Carlinhos fazia bem para sua amiga e era isso que ela queria: ver Pietra feliz.
Na hora do intervalo Manu fez questão de sumir com Caio para forçar Pietra a falar com Carlinhos, mas bem provavelmente esse esforço nem seria necessário. Pietra saiu da sala direto a procura dele.
- Carlinhos? – Ele estava sentado lendo um livro e se assustou quando a viu.
- Pietra! – Ele ficou tímido.
- Foi você, né? – Mostrou o bombom.
Ele concordou com a cabeça, cheio de vergonha. Pietra não disfarçava, adorava vê-lo acanhado daquele jeito, era seu maior charme e para Pietra, isso era indiscutível. Ela tinha vontade abraçá-lo, chegar mais perto e como Pietra era Pietra, foi exatamente o que ela fez.
- Você pode me dar um abraço?
Ele se levantou e se aproximou devagar, ela encostou a cabeça em seu peitoral envolvendo seus braços em sua cintura. Carlinhos a abraçou com tanto afeto que ela não conseguiu segurar um largo sorriso de satisfação. Ele passava uma paz, uma serenidade tão grande enquanto Pietra sentia em seu rosto o calor do corpo dele, seu cheirinho suave na camisa. Seus braços fortes entorno dela lhe davam uma sensação de segurança, como se por breves minutos não precisasse se preocupar com nada. Com ele, ela se sentia diferente e gostava disso, simples, simples assim.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo, Carlinhos tentou se afastar, mas como isso nem passava pela cabeça de Pietra ainda, ele abraçou-a com ainda mais carinho.
- Desculpa ser incômoda. Mas... é que, é tão bom – Admitiu, sem achar outra explicação rápida.
- E quando isso é incomodo? – Ele riu e respondeu calmamente.
- Sabia que você foi o único até agora que não me perguntou como estou? – Ela se afastou para olhar seu rosto.
- Imagino que sim mesmo.
- E por quê? – Disse em tom desafiador.
- Porque muitos perguntam por curiosidade. E não sou só um curioso.
As mãos de Pietra começaram suar. Como ele sempre sabia o que falar? Como tinha esse talento tão específico de deixá-la desconcertada? Ela ficou por alguns eternos segundos olhando-o:
- E o que você é?
- Alguém que se importa com você o suficiente para te deixar falar quando realmente quiser. - Ele colocou a mão no bombom – E esse bombom é só pra te lembrar... que sempre estarei por perto.
Pietra fitou-o contemplativa e se afastou completamente, sentando junto com ele. Ela precisava ganhar tempo. Sua cabeça doía. Era muita informação. E a diferença gritante de comportamento dele para Carlos a impressionava.
- Nossa, meu ex jamais agiria assim. – Pensou alto.
- Seu ex? – Carlinhos não sabia do término. Pietra percebeu que falara demais.
- Bom, é. – Ela ficou sem graça - Nós terminamos há alguns dias.
- Espero não ter atrapalhado. – Carlinhos ficou preocupado.
- Não, relaxa. Nosso namoro já não ia bem há uns tempos. Valores diferentes.
- Valores são a base, é algo que não dá pra negociar, né?
- Nem me fale. Pior que justo amanhã, sexta, tinha marcado de falar com meu pai, mas sinceramente, não sei se consigo.
- O quê? Finalmente se decidiu?
- Sim. – Ela sorriu ao ver o brilho que surgiu nos olhos dele.
- Estou muito orgulhoso. Não abra mão disso!
- Mas acho que não estou pronta. Como vou falar? Vou falar o quê? – Ela abaixou a cabeça, confusa.
- Vai falar o que sente – Carlinhos levantou o rosto de Pietra, segurando seu queixo – Vai ser sincera, só.
- Sincera? Depois de anos apareço do nada e falo tudo, assim?
- Ele é seu pai Pietra. Ele te ama. E o que ele mais quer é resolver isso. E pra resolver você tem que ser sincera. Se fosse outra pessoa qualquer talvez ser totalmente sincera não fosse bom, mas ele é seu pai. Só que claro, tem o jeito de falar.
- Estou com medo.
- Quer que eu vá com você?
Pietra sorriu, ele sempre sabia o que dizer.

Continua...

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