- Não, eu
não consigo. – Pietra se virou querendo ir embora.
Carlinhos a
segurou.
- Calma,
acabamos de chegar, espera um pouco, você consegue.
Pietra
respirou fundo. Aquilo parecia difícil demais pra ela. Ela estava na frente da
casa do seu pai. Olhava-a atentamente e pensava mil coisas, que ela poderia ter
freqüentado essa casa há anos, como seria por dentro, como seu pai a receberia,
se ele teria mudado muito. Ela tinha tanta coisa pra falar, mas ao mesmo tempo
tão pouco. A grande verdade é que ela estava cheia de vergonha, não podia
acreditar como tinha deixado isso ir tão longe, durar tanto.
- Eu não sei
o que falar Carlinhos, nem mesmo como começar.
- Pietra,
você tem uma grande vantagem aqui. Ele é seu pai, se você chegar lá e só o
abraçar, ele já vai entender o recado.
- Pra mim
ele parece um estranho, é essa sensação que tenho. E eu errei feio, fui muito
imatura, eu o afastei. Não sei com que cara vou olhar pra ele.
- Linda, vem
cá. – Carlinhos a puxou para frente da casa do vizinho. – Acho que você se
esqueceu do significado de “paternidade”. O que é ser pai de verdade? Deus é o
melhor exemplo. Igual quando alguém sai da igreja, se afasta de Deus e faz um
monte de coisas erradas. Como você, muitos sentem uma vergonha enorme de se
aproximar de novo, como se tivessem passado dos limites. Mas o amor de Deus por
nós, não tem validade ou limite. Não importa o quanto erremos, o amor dEle
sempre será infinitamente maior. Ele não esta preocupado com o erro, Ele esta
preocupado em ficar longe de você. Porque um dos maiores prazeres de um pai é
ter seu filho junto dele. Isso é um pouco... do que é ser pai. Então Pietra, o
que esta esperando?
Pietra
sorriu, apertou forte a mão de Carlinhos e entrou na casa de seu pai. Carlinhos
achou melhor esperar do lado de fora e orar, para que Deus dirigisse a situação.
- Pai? – Ela
abriu a porta e o viu sentado no sofá.
- Minha
filha, – Ele levantou, parecia emocionado. Depois de uma pausa, admitiu – senti
sua falta! – Dizia enquanto segurava uns papéis com força, amassava-os sem
muito controle.
- Também. -
Ela disse constrangida, se “a mentira tinha pernas curtas”, naquele momento
parecia que a verdade tinha longas pernas, o suficiente para correr e sumir.
- Que bom
que veio. Vanessa não pode vir, mas ela gosta de você, mesmo depois daquela
situação.
-
Desculpa... pai. – Pietra tinha dificuldade em falar essa palavra. – Peça desculpa
a ela por mim, ela não tem culpa de nada.
- Ela
entende. Não precisa se preocupar.
- E ela o
faz feliz? – Não se conteve.
- Sim,
muito. – Falou aliviado.
Ficou um
breve silêncio, Pietra não sabia por onde começar. Tentou ganhar tempo:
- O que são esses
papéis?
- Documentos
da sua pensão, daqui a pouco você vai fazer 18 anos, né? – Foi direto ao que
queria.
- O quê? –
Pietra ficou paralisada com a tamanha inconveniência do assunto e ainda mais
com sua frieza.
- Você não
faz 18 anos em janeiro?
- Sim, mas
eu não vim aqui falar sobre isso.
- Esse não era
o principal assunto, eu ia falar depois... Você que perguntou. – Justificou.
- Mas o que
tem pra ser falado? Esse tipo de coisa tu fala com minha mãe.
- Desculpa
filha. Mas além disso, seu plano de saúde tem sido pesado pra mim. – Disse sentando
e soltando um longo suspiro, seu tom de voz a fazia se sentir um grande fardo,
para seu total espanto.
- E você
esta contando os dias para se livrar desse peso aqui? – Apontou para si mesma,
não agüentou o jeito que ele falava.
- Não, de
jeito algum. Eu só queria que você falasse com sua mãe, pra ela me ligar. E quis
te deixar a par do que esta acontecendo.
- Que ótimo!
Anos sem falar com meu pai e você quer falar sobre o gasto inútil que sou?
- Que isso
minha filha? Queria que você fosse compreensiva, estou construindo uma nova
família, também tenho minha vida, meus gastos. É claro que me importo com você,
mas foi você que se afastou de mim, se lembra?
Pietra
respirou fundo e pensou por uns instantes. Tentando recuperar o equilíbrio e controle
sobre si, falou ponderadamente:
- Sim. E eu
queria pedir desculpas. Será que pode me perdoar e... me dar um abraço? – Era o
máximo que ela conseguia ser legal. Talvez um abraço fosse a solução, um bom e
apertado abraço de pai e filha.
- Claro,
minha filha. – Ele a abraçou, ainda com os papéis na mão.
Pietra se
afastou olhando para os papéis.
- Será que
dá pra largar esses malditos papéis?
- Calma,
Pietra.
- Afinal,
quem é você? Sua única preocupação é que eu pare de te dar gastos. Você não me
ama pai?
- Amo, claro
que amo.
- Não
parece.
- É que
estamos muito tempo longe.
- Você me
esqueceu então, é isso?
- Não, é
que, sua mãe sabe, não sou muito bom nisso.
- Nisso?
- Sua mãe
sempre teve tanto jeito pra ser mãe, mas você e eu sempre fomos tão diferentes.
Foi aí que
Pietra lembrou. Lembrou de tudo. Seu pai nunca tinha sido um pai de verdade, ele
sempre pareceu deslocado, desconfortável, mas pelo menos tentava. Quando ele
foi embora, há dois anos, ele tinha desistido de vez. Por isso era tão
frustrante. O problema do casamento não era sua mãe, mas era ela. Ele nunca
soube lidar com ela.
- Você nunca
amadureceu. – Pietra concluiu. – Tem 50 anos, mas tem cabeça de 19. Nunca teve
responsabilidade, nunca conseguiu se apegar a nada. Não conseguiu ter atitude
de homem, nunca soube o que é ser pai. – Ela colocou a mão na boca por uns
instantes e tirou, assustada com suas próprias palavras. Ele estava sem reação.
- Desculpa por falar isso, mas estava engasgado. Minha mãe vai te ligar. E quando
eu fizer 18 anos, se quiser, pode me esquecer de vez. - Ela foi caminhando para
a porta e antes de sair falou com um fio de esperança - Mas se um dia, sua
ficha cair... é só me procurar. Desculpa pelo meu comportamento.
Pietra saiu,
muito abalada e correu para Carlinhos. Abraçou-o forte, em prantos.
- Vamos sair
daqui! O mais rápido possível!
- O que
aconteceu?
- Ele só
esta preocupado com minha pensão.
- Que isso?
Sério? – Carlinhos olhou para o chão, perdido - Desculpa por te encher de
esperança.
- Não se
desculpe, você não tem culpa. Nem tudo é como a gente quer. O mundo é assim,
não podemos ter sempre o melhor das pessoas. Mas graças a você Carlinhos, hoje
conheço a paternidade que nunca tive, em Deus.
O coração de
Carlinhos estava partido, por mais forte que Pietra fosse, por mais que tivesse
Deus, isso não a deixava imune a dor, que com certeza naquele momento devia ser
cortante como poucas. A rejeição de um familiar, de uma das pessoas que mais
devia te amar, muitas vezes parece ser delirantemente incompreensível,
indomável, inescrupulosa. É uma ferida que pode ser constantemente mexida e
alcançar uma profundidade a ponto de destruir uma pessoa, um sonho, um futuro. A
dor muitas vezes não é opcional, mas se entregar a ela é de sua total escolha.
Pietra sentia sua base estremecer com a certeza de uma rejeição alimentada por
anos, mas isso jamais a derrubaria, ela estava decidida, ela seria alguém ainda
melhor, seu chão era Deus, quem a deteria? “Porque a cada pancada que levo,
mais pessoas posso ajudar. Nem todos agüentam a surra.”.
Continua...
Falou muito comigo, sei exatamente o que é ter um pai que não saber ser pai... Pietra é forte gosto disso!
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