sexta-feira, 24 de junho de 2016

A menina do cabelo azul [4]


Se você não leu ainda, parte 1 (aqui), parte 2 (aqui), parte 3 (aqui)

Nos finais de semana seguintes, Caio e Pietra começaram acompanhar Manu em seus trabalhos. Caio sempre ficava filmando, Manu introduzia com uma breve explicação e depois ia participar. Pietra, serelepe, fazia de tudo um pouco. Não poucas vezes brigava com Caio pela câmera, pois tinha achado o "ângulo perfeito".
A primeira visita deles foi a um orfanato, levaram Bíblias infantis, jogos e até ensaiaram uma peça de teatro. Contaram a história de Ester. Pietra, que não se aguentava, foi uma das candidatas que o rei rejeitou. Quando foi rejeitava, a reação dela foi sensacional, todo mundo riu. Ela era uma figura! Manu, nesse dia foi a contadora de história, narradora. As crianças ficavam encantadas, Pietra que não conhecia a história bem, mal piscava.

Depois da peça, eles brincaram muito com as crianças, pularam corda, amarelinha, brincaram de esconde-esconde. Até Caio largou a câmera e brincou. Manu por muitas vezes parava e dava atenção a crianças específicas, no fundo, o que muitas queriam era só um pouco de atenção. Na verdade, não só elas, há muitos adultos, pelas ruas, trabalho e até igreja, que só precisam disso pra se sentirem especiais. Caio e Pietra foram percebendo isso. A maior carência das pessoas é de amor.
Na segunda semana foram a um asilo. Deram muito carinho, ouviram muitas histórias e claro, jogaram bingo para não quebrar o costume. Pietra se apegou muitos aos idosos, ela sempre achou “os velhinhos fofos”, distribuía abraços e conversava com todo mundo. Manu adorava fazer competições e concursos com eles, era o acontecimento do mês pra eles! Ela falava para se prepararem para as provas e perguntas que faria quando voltasse. Eles, empolgados, acordavam cedo para estudarem e treinarem. As cuidadoras ficavam felizes, por mais simples que fosse, essa atividade virava a motivação de viver, de levantar da cama, para muitos ali. É, o ser humano é assim, frágil.
Na terceira semana foram distribuir comidas a moradores de rua e conversar com eles. Manu e Pietra se emocionavam muito com as histórias. Choraram, abraçavam. Levavam pra igreja pra tomar banho e doavam algumas roupas arrecadadas. Manu fazia trança em várias mulheres, elas amavam, se sentiam bonitas. Bobeira não? Não. Viver na rua, por fora, pode parecer ume estado ruim, o chocante é que por dentro, em muitos casos, a situação é bem pior. Perder a vontade de lutar, de sonhar, de fazer dar certo, a esperança... Caio nunca tinha notado como a ausência de algo tão comum pra ele e tanta gente, pode ter tamanha conseqüência. Uma das meninas do grupo sabia o que era isso, tinha sido moradora de rua antes de conhecê-los. Era a que mais se empenhava. Tocava o coração de muitos, ela sabia o que era viver assim, ou simplesmente, sobreviver assim.
Até que chegou o dia de ir ao hospital. Eles se vestiram com roupas de palhaço customizadas, pintaram a cara, usaram perucas... E foram de ônibus para o hospital. Todo mundo ficava olhando. Mas eles nem ligavam, exceto Caio, que mesmo sem estar vestido ficava envergonhado. Ele e Pietra, sempre que podiam, pegavam depoimentos de quem topava participar e filmavam os bastidores também. Só nesse caso, em particular, Caio não quis. O que não foi problema pra Pietra, que com peruca Pink fez uma bagunça com Manu.
Quando o grupo chegou, todos já os conheciam. Fizeram a parte burocrática, colocaram crachás e foram para a ala infantil. Fizeram a festa para a criançada! Eram inúmeros sorrisos, crianças batendo palminhas, mães emocionadas... As enfermeiras cansadas pareciam ir ali só para renovar as forças. Caio olhava aquilo e percebia o quanto aquilo sim era lindo, o quanto as pessoas são vazias e se preocupam com coisas tão bobas, enquanto um simples estouro de bexiga fazia surgir o sorriso mais puro e um brilho sem igual no rosto de uma criança.
- Manu?
 Era a enfermeira chefe.
- Sim?
- A Giovanna esta quase, você sabe. – Sua feição falava tudo.
O olhar de Manu se entristeceu. Ela era tão transparente que não podia disfarçar o quanto a notícia a feriu. Ela foi para outra sala sozinha, Pietra e Caio se entreolharam e a seguiram.
Quando eles entraram viram a pequena Giovanna. Tinha seus 8 anos, branquinha, loira de olhos azuis. Parecia um anjo, mas estava pálida, magra e meio carequinha. Seu estado mostrava claramente, não tinha mais tanto tempo.
A mãe de Giovanna estava ali e gostava muito da Manu. A recebeu com um abraço apertado. Os olhares ali diziam tudo. Manu teve vontade chorar, mas segurou para não assustar Giovanna.
- Oie Gi, como vai minha boneca mais linda?
- Cansadinha - Respondeu baixinho, estava com olheiras, muito abatida pela doença.
Manu se sentou ao lado dela.
- Você sabia que o Papai do céu te ama muito? – Segurou uma de suas mãos.
- Uhum - Ela sorriu fracamente.
- Gi, lembra quando a tia falou que Jesus morreu na cruz?
- Sim, ele morreu por mim e por você.
- Pra gente morar pra sempre com Ele, porque Ele ama muito a gente. É um paizinho muito carinhoso.
Manu passava a mão no cabelo de Giovanna, e sorria visivelmente tocada. O carinho que colocava em cada palavra era enorme. Todos na sala estavam mexidos.
- É sim!
- Só faltou uma coisinha, pra morar com Ele, você tem aceitar Ele no seu coração. Você quer?
- Eu quero. Eu o amo muito também.
- Que bom! - Manu se emocionou. - Posso orar por você?
Ela concordou, Manu colocou a mão em sua cabeça e orou cheia de fé. Quando acabou, colocou o dedo no queixo de Giovanna que sorriu como nunca antes, seu rosto brilhava de tanta paz, leveza, algo difícil de descrever.
- Manu – Interrompeu Pietra – Quero aceitar Jesus no meu coração também, posso?
- Eu também – Disse a mãe de Giovanna.
Manu olhou assustada, não esperava. Olhou para Caio que estava pasmo. Giovanna, para surpresa de todos, falou:
- Claro que podem. Eu “olo” (oro) por vocês.
Giovanna fez um sinal com a mão para que as duas se aproximassem. Manu se afastou. Elas ficaram pertinho de Giovanna que colocou a mãozinha na cabeça delas.
- Papai do céu, mamãe e "Petra" querem que você entre no coraçãozinho delas. Faz isso, por favor. Como você fez comigo. Obrigada por ser tão legal. Eu te amo muito. Amém!
Foi a oração mais linda que Manu viu. O semblante de Giovanna não era normal, transbordava Deus em cada olhar. Era de uma pureza que todos que estavam ali jamais acharam que poderiam ver. Foi uma oração simples, mas muito poderosa. A mãe de Giovanna e Pietra estavam arrepiadas, se sentiam diferentes e isso as assustava.
Nessa hora a enfermeira entrou pra dar medicação e todos se reuniram e se abraçaram, felizes.
- Essa foi a conversão mais linda que vi em toda minha vida. Ninguém nunca faria uma oração igual, sem dúvida.
- Eu sei. É difícil até explicar o que estou sentindo. – Falou Pietra.
- Onde é sua igreja Manu? Pode me dar seu contato? – Falou a mãe de Giovanna.
- Claro.
As duas conversaram. Manu beijou Giovanna. Todos se despediram. E antes de fechar a porta Manu falou:
- Ninguém entrara no reino do céu se não tiver um coração como o de uma criança. Adeus Gi. A tia te ama!
Giovanna deu um grande sorriso. Pietra deixou as lágrimas caírem e eles sairam.
Essa foi a última vez que viram Giovanna, ela partiu para o “colinho de Deus”, como ela mesma diz. Caio estava perplexo. Muitas convicções suas foram desfeitas em segundos, como se nada significassem. Nessas últimas semanas ele viu um amor pelas almas muito diferente da imagem que tinha. Homens de terno em cima de púlpitos pregando? Amor as almas é muito mais que isso. Ele viu jovens, aparentemente normais, colocando a mão em pessoas, orando com autoridade e fazendo uma obra que cristãos há dezenas de anos na igrejas, não fizeram nem a metade. Viu Pietra conhecendo Deus através de atividades da igreja que ele, por si mesmo, jamais permitiria que ela participasse. Viu o tamanho da fé que uma criança pode ter, mas que em muitas igrejas são tratadas como sem qualquer entendimento. Ele mal sabia o que pensar, estava impactado. Mas de uma coisa tinha certeza: "nunca mais vou ser o mesmo!".


Continua...
Beijinhos 

10 comentários:

  1. e emoção continua aumentando a cada capitulo que leio.

    Kel essa historia é linda.

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  2. Por favor, continue, estou amando , já até compartilhei a pagina com minhas amigas :)

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  3. A maior carência das pessoas é de amor... É logico que vou ter que postar essa frase no face, indicando essa historia maravilhosa!

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  4. estou chorando, não aguentei, que historia linda, emocionada, estasiada, encantada...

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  5. Nossa, não tem como ler essa história e as lágrimas não rolarem! Amando!

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  6. Nossa não tem como não chorar esse história linda meu olhos cheio de lágrimas

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