sábado, 18 de junho de 2016

A menina do cabelo azul [2]

[Se você não leu a parte 1, clique aqui!!]

- Você acha que eu não percebo? - Comentou na Manu despretensiosamente.
- O quê? - Questionou Caio.
- Que você vive atrás de mim.
Caio olhou pra baixo sem graça. Os dois estavam em um dos corredores da escola, no segundo andar, apoiados na mureta, olhando a paisagem. A beleza de Caio era difícil de ignorar. Quando sorria envergonhado Manu mal sabia para onde olhar, ele fazia uma carinha tão linda que Pietra ali, não se aguentaria em falar "Caraca, isso é esculacho!". Só de pensar nisso Manu ria.
- O que está rindo? - Caio estranhou.
- Nada demais, só lembrei de Pietra. Ela é demais. Pena não ter vindo hoje.
- Verdade!
- Verdade nada seu cara de pau - Deu um tapa no braço de Caio - Eu sei que você está amando. Finalmente está podendo ficar mais tempo comigo.
- Isso eu não posso negar!
E quando Caio ria... Meu Pai! Manu ficava sem rumo. "Não vou olhar, não vou olhar!", tentava desviar a atenção.
- Que foi? Parece incomodada? - Fez uma cara de safadinho.
- Você é ridículo. - Manu foi saindo, Caio segurou seu braço.
- Desculpa. Mas você me deixa nervoso. Não penso bem no que faço.
- Mas por que te deixo nervoso? Eu não entendo. Por que eu?
Caio colocou as mãos nos bolsos, estava um vento frio. Ele olhou fixamente para Manu enquanto mordia os lábios buscando as palavras certas para explicar, mas a verdade era um só, nem ele sabia ao certo.
- Eu não sei direito. Você me atrai. E não é só pela sua beleza, é algo a mais.
- Minha beleza?
- Qualé? Tu é muito mais bonita que Suzana ou qualquer garota dessa escola.
- Que isso?! Está viajando. Eu me visto diferente, tenho cabelo azul com mechas roxas. Todo mundo me acha estranha.
- Eles que são estranhos. - Caio falou em tom irritado - Já pensou o quão tosco é viver, se vestir, se comportar, fazer planos, tudo... em torno de um mero padrão. "O padrão da sociedade". "Temos que ser assim, porque assim é o normal, o aceitável"? Isso é doentio. Cada decisão ou mínima escolha da sua vida guiada por padrões? Já parou para pensar o quanto isso sim é estranho? Aquelas meninas são "lindas" dentro desse padrão. Um padrão engessado, que oprime e limita.
- Você está bem? - Era nítido o quanto Caio detestava isso, a questão era o porquê. Ainda mais por ele ser lindo "em qualquer tipo de padrão", pensou Manu.
- Mais ou menos. É que isso me tira do sério. Olha para você ver, esse padrão é tão superficial, que pelo simples fato da pessoa não estar nele, ela não é boa o suficiente. Como você. Cara, não precisa nem olhar por muito tempo para ver que você tem um rosto angelical, que seu sorriso é tão real sabe? Vem da alma. Você é linda! E mais linda ainda, pelo jeito que é. Por ser você. - O olhar de Caio parecia distante.
- Caio, abre o jogo. O que te incomoda tanto? O que houve? - Manu estava com o coração apertado e preocupada.
Ele passou a mãos nos cabelos lisos e pretos que caiam levemente em seus olhos. Estava um pouco ofegante. Parecia haver muita coisa escondida ali. Ele respirou fundo e falou:
- É minha família, minha igreja, minha vida.
- O que tem eles?
- Meus pais são muito tradicionais. Minha igreja é muito conservadora. E adivinha? Meus pais são os pastores. Me sinto sufocado. Tudo é errado. Mas aí apareceu você, e me fez ver as coisas de outra forma. Você tem cabelo azul, mas é muito mais cristã que muitos obreiros lá da igreja. No entanto se você entrasse lá desse jeito, todos te olhariam como uma maluca que só quer aparecer e eu sei que isso não é verdade. Você só usa cabelo azul porque gosta. Assim como eu prefiro chocolate branco à preto. É uma simples questão de gosto. Eu tenho te observado essas semanas e visto o quão errado é esse conservadorismo todo. Pra quê? Pra que serve isso? Pra discriminar as pessoas? - Lágrimas de raiva começaram a escorrer no rosto de Caio.
Manu ficou assustada, não espera ouvir isso tudo.
- Você já foi muito julgado?
- Pelos meus pais, pela igreja, por todos. Ser filho de pastor é pesado. Tanto pelos meus pais quanto pela igreja e eu ainda sou bonito.
- Você fala como se fosse algo ruim...
- As pessoas só olham isso Manu. São muito vazias. Aí as vezes é difícil saber quem realmente é verdadeiro com você.
Os olhos de Caio estavam marejados. O coração de Manu partido, ela amava ajudar as pessoas, e ver alguém sofrendo doía tanto nela.
- Vem cá, me dá um abraço.
Caio a abraçou e começou a chorar. Manu não resistiu deixar as lágrimas caírem também. Os dois ficaram abraçados por um tempo. Certo momento Manu começou a cantar baixinho:
- Estou clamando, estou pedindo, só Deus sabe a dor que estou sentindo. Meu coração está ferido, mas o meu clamor está subindo. Estou clamando, estou pedindo, só Deus sabe a dor que estou sentindo. Meu coração está ferido, mas o meu clamor está subindo.
Caio se afastou e sorriu, emocionado.
- Obrigado.
- Que isso? Não foi nada.
- Sabe de uma coisa?
- Fala - Ele segurou a mão dela.
- Acho que o que me atraiu em você era o que estava faltando em mim. Você é livre. Só não entendo porque não posso ser assim.
- Caio, vem cá.
Manu o puxou pela mão até uma escada mais reservada. O professor tinha faltado, a maioria da turma estava na quadra jogando bola e conversando.
- Olha, você precisa de duas coisas: primeira, Deus consolar seu coração, segunda, organizar seus pensamentos.
- Como?
- Hoje, quando chegar em casa, no seu quarto, ou no banheiro. Converse com Deus como nunca fez antes, ponha pra fora, desabafe todas suas expectativas e decepções. Desabe sabe? Tem uma música que fala que Deus é nosso abandono, ou seja, é onde você pode tirar todas suas defesas e receios, e se entregar por inteiro. Se abra como nunca, coloque um louvor de fundo e deixe ele te curar.
- É uma boa mesmo. O simples fato de me abrir com você e te ouvir cantar já me fez tão bem.
- Que bom. Imagina se abrindo com Deus? Será maravilhoso.
- E os pensamentos? Como organizo?
- Caio, você conheceu seus avós?
- Muito pouco.
- Sabe sobre a criação dos seus pais?
- Bom, que eu saiba, foi bem rígida.
- Cada um só dá, o que tem. Eu sempre procuro ver esse lado quando vou analisar alguém. O que ele aprendeu? A criação é um modo de ver o mundo, de encarar a vida, uma forma de pensamento, de viver. Seus pais, provavelmente só repetem o que viram. E não é por mal, essa é a visão de certo deles, entende? Isso é muito comum. Então tente entender que pra eles, isso pode ser o melhor a ser feito. Na visão deles, estão dando o melhor pra você. Não fazem por mal.
- Então tem que ser assim?
- Não estou falando isso. Estou falando que você olhar com amor e com essa visão, do ponto de vista deles, fica mais fácil entender o porquê são desse jeito. Como pra eles, ser bem rígido é o certo, você tem mostrar que não é bem assim. E o caminho é um só, com amor. Aos poucos, com jeitinho e oração também, vá mostrando no que achar bom. E a mente deles vai se abrindo, mudando. Gritar, discutir não adianta. Eles têm que ver.
- Afinal, esse negócio de usos e costumes é errado? 
- Na essência não. É algo que visa fazer as pessoas desapegarem do mundo e se apegarem a Deus, como isso pode ser ruim?
- Mas está na Bíblia?
- A maioria das coisas não. É como o nome diz, costumes. Mas são costumes até saudáveis. O problema esta na imposição deles e pior, em colocar eles como condição para a salvação.
- É isso que acho errado!
- Viu? Você esta conseguindo se entender. É exatamente isso que chamo de "organizar os pensamentos". Não é o usos e costumes que te incomoda, é o mal-uso deles. Fora quando as pessoas que tem esses usos e costumes, se acham mais santas que as que não usam.
- Cara, odeio isso. Pior que eu já fui assim. Graças a Deus, minha mente está se abrindo, como você falou.
- Pensa comigo Caio. Na maior parte das igrejas, tem mulheres que pintam o cabelo. Ou seja, não usam da forma natural, que vieram ao mundo. Correto?
- Sim.
- Eu também pinto, a diferença é que não pinto das cores normais. Aí tem pessoas que falam "mas você não esta usando seu cabelo da forma que Deus te fez", te pergunto Caio, essas mulheres estão? - Deu uma pausa - Raspar a perna, fazer a sobrancelha, pintar as unhas... Tudo isso não é "ao natural", mas porque comigo é diferente?
- É porque você não segue os padrões.
- Padrões de quem?
Caio pensou por alguns instantes e concluiu:
- Do homem.
- Hum, então veja, não estamos mais falando de coisas espirituais. Mas do homem.
- As pessoas que espiritualizam.
- Exato! O fato de não ser normal na visão dos homens não torna uma coisa pecado.
- Caraca, nunca tinha pensado assim! Isso é sensacional!
- Lembra quando te falei de hipocrisia quando nos conhecemos? Se encaixa bem aqui. É hipocrisia as pessoas falarem que tem que ser "como Deus fez" pra mim e a própria pessoa usar aparelho pra arrumar os dentes. Hipocrisia é usar só parte da verdade, a parte que interessa. Agostinho tem uma frase que gosto muito, ela diz o seguinte "Se você crê somente no que gosta do evangelho e rejeita o que não gosta, não é no evangelho que você crê, mas em si mesmo". 
- Nossa! Você é muito inteligente. Com certeza! Isso me fez lembrar de Davi, se tu parar pra pensar, Davi era ruivo, devia ter várias sardas, baixinho, de singela aparência, ficava fazendo "recitais" para ovelhas e cantando o tempo todo. Para os irmãos ele devia ser estranho.
- Até para o pai, Jessé mal se lembrou dele quando foi apresentar os filhos a Samuel.
- E quando a arca do Senhor voltou a Jerusalém, Davi estava tão feliz que dançou e comemorou muito. E imagino que não foi algo muito normal, Mical, a mulher dele, até falou mal.
- No entanto ele era um homem segundo coração de Deus. - Manu concluiu - Porque aparência para Ele não importa. Você pode fazer coisas em você como as que citei, desde que seu coração não esteja nelas. Mas em Deus.
- Pena que as pessoas não pensam assim, principalmente os cristãos.
- Então provemos que estão erradas. Como eu provo todos os dias.
Caio sorriu aliviado.
- Entendi. Acho que finalmente entendi. Não tenho que ter raiva dos meus pais, eles foram criados assim. Só tenho que tentar ajuda-los. Quanto aos usos e costumes, o problema não é eles, mas o mal-uso. E quanto aos julgamentos?
- Se preocupe com a única opinião que importa: a de Deus. Ignore, olhe com compaixão para as pessoas, elas ainda tem muito que aprender.
- Cara, eu te amo! - Disse empolgado.
- Oi?! - Manu arregalou os olhos.
- Não é amor de homem e mulher não, calma, ainda não. - Piscou pra Manu - Mas é que tu, em pouco tempo conseguiu resolver muitos conflitos que eu tinha aqui dentro.
- E foi um prazer.
- Você é sempre tão forte e sábia assim? Não bate uma fraqueza, uma carência aí não?
- Você é engraçado. É claro que tenho meus momentos de fraqueza. Sinto carência sim por não estar namorando. Como qualquer um. Mas Deus, Ele é meu melhor amigo e meu paizinho. E mais que isso, Ele é o puro amor. Eu mergulho nele e Ele derrama tanto amor em mim que a carência parece uma piada.
- Sabia que um dia ainda vou me casar com você?
- Sonhar não custa nada. - Manu mexeu ombros como se não se importasse.
- Uau, sério mesmo que você não sente nadinha por mim?
- Quer saber? Eu me sinto atraída por você, mas isso nunca será maior que a vontade de Deus pra minha vida.
Manu foi se levantando.
- Manu - Ele deu uma pausa para que Manu olhasse pra ele - Você podia me ajudar a fazer uma revolução na minha igreja?
- Como assim? - Ela se agachou.
- Minha igreja está precisando da sua visita.
Manu sorriu de canto de boca.
- É só marcar o dia.


Continua....
Espero que tenham gostado!


11 comentários:

  1. Quero saber o que vai acontecer depois

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Respostas
    1. Que bom Zii! Isso significa muito pra mim! Escrevo com todo carinho!

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  4. Nossa que historia bacana , gostaria muito de saber o que esta por vir de Manu, e tem muitas coisas escritas ai que me identifiquei. Meus Parabéns Princesinha Raquel Pessoa, que nosso Deus use as palavras para mudar muitos cristãos com as suas historias,coisas que só na bíblia nos aprendemos. bjuhs Fiquem com Deus.

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  5. Raquel, obrigada! Eu comecei a ler a série agora e estou gostando muito. Meu nome é Juliana e como a Manu também tenho 16 anos e tento mostrar para as pessoas que o evangelho não é o que aparece na televisão, e graças a Deus as pessoas a minha volta tem percebido isso. Mas também tenho muitos conflitos, na minha mente, e isso as vezes é muito ruim, apesar de me derramar em Deus, é doloroso. Estou me sentindo abençoada nessa leitura. Gosto muito de você, que me passa tanta paz e essa mansidão me acalma muito, pena que não nos conhecemos, eu ficaria muito feliz. Deus te abençoe!

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  6. AIIIIII não consigo nem piscar muitoooo bommmm bora pra revolução Manuuuuu alguem tem um Caio pra me dar??? kkkkk

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  7. poderia ter PDF desse livro gostaria muitoo

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  8. Comecei a ler agora e ja estou amando kell..

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  9. estou gostando da história...é algo que falta pra os jovens cristãos hoje, livros assim, de histórias que já trazem a palavra de Deus. tenho 17 anos e gosto muito de livros fictícios, mas normalmente só se encontra livro fictício de autores não cristão...Assim é uma maravilha, nos distrair com uma história enquanto aprendemos de Deus..sem contar que tem romance rsrs...Vou continuar haha'

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